terça-feira, 21 de abril de 2009

Nietzsche e o problema da verdade

A filosofia dos nossos tempos, isto é, a forma especificamente crítica de se pensar o mundo na contemporaneidade, tem em Friedrich Nietzsche (1844-1900) um dos seus princiapis marcos. Um marco que traz a força destruidora de uma vontade: uma vontade vital para revisar o que fizemos do mundo e de nós mesmos com a tão aclamada 'verdade' que as ciências, as religiões e a filosofia julgaram conquistar. Nietzsche é um marco especialmente por colocar nas frias decisões da Razão uma Vontade instintiva, selvagem, vitalista, e, por ela, destruir o que temos sido para recriar o que somos e podemos ser.

Mas como assim? Como se destrói o mundo e o recria pela Vontade? E quanto a nós, como nos destruimos e nos recriamos também pela Vontade? Que Vontade poderosa é esta que Nietzsche chama "vontade de potência" e que é capaz de mover o mundo? É isso que buscamos em Nietzsche nesse primeiro bimestre e, não por acaso, é isso também que faz do pensamento de Nietzsche um marco na história da filosofia.

A filosofia contemporânea

A filosofia contemporânea pode ser vista, em grande parte, como resultado da crise do pensamento moderno do séc. XIX. O projeto moderno se define, em linhas gerais, pela busca da fundamentação do conhecimento - que as ciências tão bem se ocuparam -; pelas experiências empíricas com o mundo mediante uma técnica e uma tecnologia conquistadas às duras penas e prometidas ao progresso da civilização; e, especialmente, pela maior de todas as conquistas até então realizadas pelo próprio homem: o indivíduo como sujeito pensante, capaz de dominar o mundo e a si mesmo com uma única e poderosa arma: a Razão e seus domínios.

Entretanto, a concepção de uma filosofia que autoriza esse sujeito pensante e soberano a dar conta de todas as áreas da existência e do saber humanos, passa a ser vista como altamente problemática, se não irrealizável. A construção de sistemas para o saber, tal como Sócrates idealizou desde o início, no caminho da verdade, passa a se mostrar frágil e ineficiente.

Além do mais, homens pensantes (mas não tão dominadores...) assinalaram que não somos tão racionais assim, ou melhor, não somos tão senhores do mundo e de nós mesmos como julgávamos ser. A ciência, que tanto se vanglorizou do domínio da verdade, nos fez sofrer pelo menos três grandes golpes nas suas empreitadas:
1) Com a descoberta cosmológica, Copérnico descobre que somos nós - planeta Terra - que giramos em torno do sol, e não o contrário. Resultado: não somos mais o centro do mundo.
2) Darwin, e a sua teoria da evolução da vida, apontam para o homem uma origem não muito nobre: viemos do macaco. Resultado: não somos mais semelhantes a Deus, mas a um animal.
3) E Freud nos prega agora um golpe psicológico (talvez o mais doloroso): não é o consciente que nos guia, mas um lado sombrio do que somos, incontrolável na sua totalidade pela razão: o Inconsciente. Resultado: não somos mais senhores na nossa própria casa.

Influenciado pela atmosfera de "golpes" que a contemporaneidade nos causou, Nietzsche diz mais ou menos o seguinte (acompanhando Copérnico, Darwin e Freud): Claro, não somos o centro do mundo. Somos um animal, cheio de razões e desrazões, fúrias e entusiasmos; o bem e o mal habitam en nós e nós neles, e não temos casa. Nossa casa é o mundo, cujos senhores são os mais fortes, aqueles que melhor souberem sobreviver com alegria, criatividade e uma boa dose de competição. O mundo é dos fortes. Por isso, e só por isso, é bom viver no mundo.

O interesse pelo saber e pela verdade é, para Nietzsche, como uma paixão, um movimento particular da vida, como tantos outros. O que interessa na tão aclamada verdade é, tão somente, o que o homem é capaz de fazer com ela, uma vez descoberta.

Os grandes idais são, para Nietzsche, nada mais do que figuras poderosas do que ele denomina "Vontade de Potência": a tendência cega que os organismos possuem de se expandir em detrimento de forças contrárias; a necessidade de dominar, de ocupar, de submeter, não pelo prazer que isso possa proporcionar, mas simplesmente pela pura força expansiva. Não há aí nenhum "instinto de preservação", somente um organismo tentanto ser e ser mais.

O erro fundamental da filosofia ascética sobre o mundo, diz Nietzsche, foi inverter os valores, subverter o que realmente importa: tudo o que é vital, exuberante, rico e criador foi combatido como perigoso e incontrolável, enquanto o manso, medíocre, inofensivo foi elogiado e promovido às mais altas esferas de valor.

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